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Notas sobre a gestão dos direitos conexos da partitura

Manuscript

I usu­al­ly keep this site uni­form­ly in Eng­lish. How­ev­er, due to the unabigu­ous­ly Por­tuguese brand of parochial con­tours to this sto­ry, I’ll excuse myself from that require­ment today. Suf­fice to say: I was invit­ed on Império dos Sen­ti­dos — the nation­al clas­si­cal and jazz radio’s flag­ship morn­ing pro­gram — to dis­cuss recent devel­op­ments on col­lec­tive rights man­age­ment around sheet music.

Estive à con­ver­sa com Paulo Alves Guer­ra no seu Império dos Sen­ti­dos (coração das man­hãs da Ante­na 2) no pas­sa­do dia 11 de Dezem­bro — trans­mi­ti­da hoje, dia 19.

O brief com o qual me com­pro­meti de antemão orga­ni­za­va a con­ver­sa em torno do papel das edi­toras hoje e com a gestão colec­ti­va de dire­itos — inter­pelações às quais eu me prepar­a­va, aliás, para respon­der com vários mod­e­los difer­entes do que são ou podem ser, sequer, edi­toras e out­ras pes­soas colec­ti­vas fun­dadas em torno da músi­ca letra­da.

Ao meu lado estavam Miguel Azguime — com­pos­i­tor que dis­pen­sará apre­sen­tação, uma das forças na origem do MIC​.pt e, mais recen­te­mente, da Rizoma, platafor­ma que une os agentes do meio da músi­ca con­tem­porânea, em cujo órgão exec­u­ti­vo ten­ho o praz­er de par­tic­i­par — e António Jorge Nogueira, pro­mo­tor da Platafor­ma de Val­oriza­ção e Pro­teção da Músi­ca em Portugal.

Esta platafor­ma foi cri­a­da explici­ta­mente como reacção às primeiras démarch­es públi­cas da AD Edit. (Digo‑o bas­tante mat­ter-of-fact­ly, sem qual­quer sub­tex­to ou julgamento.) Ora, apre­sen­ta­da esta platafor­ma — ain­da para mais em últi­mo nos cumpri­men­tos ini­ci­ais, no arranque da con­ver­sa —, o ele­fante que já estaria na sala prati­ca­mente sen­tou-se ao nos­so colo e não mais saiu.

A polémi­ca, ain­da que impor­tante para o fun­ciona­men­to do meio musi­cal no ger­al e para o das asso­ci­ações que ten­ho rep­re­sen­ta­do em con­cre­to, não me diz assim tan­to pes­soal­mente. Acho muito mais útil repro­duzir aqui as min­has notas preparatórias para a entrevista/​conversa, mes­mo na sua for­ma esquemáti­ca e elíptica:

  1. Esta­mos em tem­pos novos: 
    • não só os tem­pos exigem novas for­mas, como a leg­is­lação final­mente o per­mite: veja-se o caso da Sociedade Por­tugue­sa de Autores, que, através da trans­posição de uma direc­ti­va europeia, se vê final­mente arreda­da da exclu­sivi­dade na gestão do dire­ito de autor — algo que, tan­to quan­to sei, era uma daque­las sin­gu­lar­i­dades por­tugue­sas de difí­cil expli­cação; (isto con­segui veic­u­lar na entrevista.)
    • esta respos­ta do meio parece-me prati­ca­mente inédi­ta, não só quan­to à uni­vo­ci­dade, mas tam­bém no que diz respeito à efec­ti­va mobi­liza­ção em prol de con­se­quên­cias práti­cas. Ain­da a pro­cis­são vai no adro, claro, mas à con­gre­gação não lhe fal­ta o hábito de ficar pelos gen­u­flexórios ou pela quermesse.
  2. Há, quan­to ao assun­to da par­ti­tu­ra, prob­le­mas inegáveis no nos­so teci­do, e não acho pos­sív­el sep­a­rar limpa­mente os prob­le­mas cul­tur­ais” dos ale­gada­mente pura­mente finan­ceiros. (Na ver­dade, em todo este assun­to, acho que há quan­to muito uma mão-cheia de agentes indi­vid­u­ais ao lado dos quais me sin­to capaz de estar sem caveats; face a todos os out­ros, ten­ho que nego­ciar” caso a caso.) Porém: 
    • a lei é igno­ra­da em parte — em parte — porque é desad­e­qua­da ao pon­to de ser impraticável; 
      • a lei, tal como ela existe actual­mente, é prati­ca­mente inde­fen­sáv­el do pon­to de vista dos dire­itos do utilizador;
    • não pode ficar por diz­er que quem ale­ga cabal descon­hec­i­men­to das real­i­dades de xyz ten­dia a, na frase seguinte, demon­strar cabal descon­hec­i­men­to das real­i­dades de ijk;
      • ain­da assim, têm sido momen­tos educa­tivos para todos; o que daqui sairá, não sei;
    • que­bra­da esta détente, que se alicerça­va na frag­ili­dade de parte a parte de pro­du­tores e uti­lizadores, acred­i­to que o úni­co cam­in­ho pro­du­ti­vo seja para a frente, isto é, para a sua revisão e actualização.
  3. O meu posi­ciona­men­to pes­soal no meio e neste debate assen­ta no seguinte: 
    • eu sou um edi­tor, não um pub­lish­er:
      • eu sou edi­tor num sen­ti­do quase literário (ou, pelo menos, cer­ta­mente numa acepção críti­ca) do ter­mo. Enten­do a edição como um proces­so social que medeia a pro­dução e a recepção de um tex­to: encar­rego-me da cor­recção e acu­tilân­cia do argu­men­to do autor; da sua ade­quação ao meio e proces­so téc­ni­co de repro­dução; da sua perenidade e arquivo; 
        • é por estes critérios que ori­en­to a min­ha activi­dade enquan­to edi­tor, seja enquan­to free­lancer — para uma major europeia ou para um com­pos­i­tor a títu­lo par­tic­u­lar —, seja em con­tex­tos profis­sion­ais onde ten­ho respon­s­abil­i­dades de decisão;
        • acred­i­to que é nesse proces­so que é ger­a­do mais val­or acres­cen­ta­do, e acred­i­to que é esse o tra­bal­ho mais necessário (porque é um tra­bal­ho necessário ideal­mente sem­pre, e, na práti­ca, quase sempre);
        • as out­ras dimen­sões da activi­dade de pub­li­cação dizem-me menos; não só mas tam­bém (e essen­cial­mente) por todos os prob­le­mas estru­tu­rais a que alu­di no pon­to 2
          • seja por incom­preen­são, desin­ter­esse, descon­hec­i­men­to, ou como defe­sa per­ante as defi­ciên­cias do nos­so teci­do, muitas das nos­sas edi­toras e artis­tas ten­dem a ence­nar uma ficção onde as edi­toras acu­mu­lam catál­o­go indis­crim­i­nada­mente — abdi­can­do das suas razões de ser — são ten­tam posi­cionar-se como instân­cias de con­sagração — sem enten­der que fac­tores algu­ma vez colo­cam as edi­toras, his­tori­ca­mente, nes­sa posição. As edi­toras gostam de pub­licar sem edi­tar, e os artis­tas gostam de pub­licar sem pre­cis­ar de uma edi­to­ra. Uma edi­to­ra (como qual­quer colec­ti­vo) serve para aqui­lo que excede as capaci­dades dos indi­ví­du­os; aliás, serve pre­cisa­mente para dar for­ma ao que excede e é irre­dutív­el às inter­acções sim­ples entre as suas partes con­sti­tu­intes. Negar essa real­i­dade — o que inclui reduzi-la a uma expressão pobre, como é a mera­mente económi­ca — é con­tin­uar a dar uma respos­ta erra­da às neces­si­dades dos artis­tas e aos mod­e­los económi­cos viáveis das edi­toras; (isto provavel­mente exi­giria um ensaio sério, que nada tem a ver com a min­ha cábu­la para uma con­ver­sa. Mas faz todo o sen­ti­do deixar aqui esta aber­ta, já que esta­va planea­do que a con­ver­sa serviria para olhar para a frente, para o futuro)
          • para além do mais, as insti­tu­ições e os seus mod­e­los de negó­cio, como tudo, têm origem nas forças mate­ri­ais oper­antes no tem­po e espaço em que foram for­ja­dos, e não existe hoje um públi­co ou uma comu­nidade de práti­ca — seja esse o cri­ador, o intér­prete ou o da plateia. Por isso, não há um mod­e­lo de pes­soa colec­ti­va capaz de rep­re­sen­tar ou respon­der às suas neces­si­dades, força­mente het­erogéneas e con­tra­ditórias; ou, como me saiu (muito mais pro­saica­mente) no dia: mas por que é que temos que nos dar todos bem?”
          • assim, qual­quer insti­tu­ição monolíti­ca” que se arreigue a esse lugar está con­de­na­da a fal­har, ou a sobre­viv­er à cus­ta do emprego de vio­lên­cia sim­bóli­ca, inca­paz que é de resolver ess­es antagonismos;
      • será esse o seg­men­to ao qual eu tentarei dar pri­or­i­dade (espe­cial­mente se estiv­er a falar em nome indi­vid­ual, e não por uma das colec­tivi­dades que ten­ho rep­re­sen­ta­do neste proces­so), porque é uma posição par­tic­u­lar­mente frágil (em extinção!) e de mais defe­sa pre­cisa (emb­o­ra, claro, sin­ta que deten­ha um con­hec­i­men­to sufi­cien­te­mente alarga­do do meio in toto e von­tade de faz­er as coisas bem para tem­per­ar bem a min­ha intervenção);
    • por out­ro lado, out­ra abor­dagem que tentarei traz­er ao debate quan­do falar na primeira pes­soa é a sug­estão da trans­posição de muitas nor­mas cul­tur­ais do mun­do do soft­ware:
      • A engen­heria de soft­ware é um meio de pro­du­tores indi­vid­u­ais de tra­bal­ho int­elec­tu­al, com algum arte­sana­to e mui­ta indús­tria; os seus tra­bal­hadores detêm (em potên­cia, ou em teo­ria) os seus meios de pro­dução, mas mane­jam-nos numa den­sa matriz social peja­da de algu­mas das insti­tu­ições eco­nomi­ca­mente mais potentes que a humanidade inven­tou; essa indús­tria e o seu star sys­tem, ide­o­logi­ca­mente no ápice da sua época históri­ca, ameaça engolir todo o mun­do. Vis­to por este pris­ma, é‑me difí­cil não colo­car o cap­i­tal­is­mo tar­dio ao lado do roman­tismo tar­dio. Porém: 
        • ess­es para­le­los deix­am-me antes (num volte-face pouco car­ac­terís­ti­co para mim?) opti­mista: nestes debates sobre dire­itos e gestão, parece-me haver muito a apren­der com o ethos do open-source, o espíri­to DIY, a ati­tu­tude quan­to ao licen­ci­a­men­to explíc­i­to e inequívo­co do tra­bal­ho ofer­e­ci­do à comu­nidade, o pen­sa­men­to estratégi­co e sis­temáti­co, as fer­ra­men­tas con­cep­tu­ais para pen­sar e imple­men­tar redundân­cia, resil­iên­cia e descen­tral­iza­ção, e com as metodolo­gias de colab­o­ração e auto-orga­ni­za­ção dos engenheiros.

A entre­vista pode ser ouvi­da no arqui­vo on-line da Ante­na 2. O seg­men­to começa à 1h37m.